Durante anos tive o
hábito de anotar os meus sonhos.
Acordava de madrugada e
escrevia tudo o que havia sonhado.
Depois de registrar o
sonho, tentava voltar a dormir --o que não era nada fácil. Como tenho muitas
noites de insônia, decidi parar de escrever durante as madrugadas.
No entanto, recentemente
tive dois sonhos que me pareceram muito especiais. Enquanto sonhava, dizia para
mim mesma: "Este sonho eu preciso anotar, é importante para as minhas
reflexões sobre homens e mulheres".
O primeiro foi com dois
amigos que conversavam sobre suas dificuldades amorosas. Um deles pergunta:
"Por que as mulheres nunca dizem diretamente o que querem?"
E o outro, com um sorriso
irônico, responde o que lhe parece óbvio: "Porque o que as mulheres querem
é que você adivinhe o que elas querem sem que elas digam nada".
Acordei com a sensação de
que se as mulheres aprendessem a dizer o que querem as relações amorosas seriam
muito mais simples, prazerosas e felizes. E escrevi: "No Brasil, mesmo
dentro da mulher mais poderosa, sobrevive uma Barbie cor-de-rosa".
No segundo sonho eu
estava dando aula e dizia para os meus alunos: "A única categoria social
que inclui todo mundo é velho. Somos classificados como homem ou mulher, homo
ou heterossexual, negro ou branco. Mas velho todo mundo é. O jovem de hoje é o
velho de amanhã. Por isso, como nos movimentos libertários do século passado do
tipo "black is beautiful", deveríamos vestir uma camiseta com as
ideias "eu também sou velho!" ou, melhor ainda, "velho é
lindo!"."
Fomos em passeata até
Copacabana, todos unidos, os velhos de hoje e os velhos de amanhã, vestindo
camisetas e levando cartazes.
Na manifestação,
inspirada em Martin Luther King, fiz um discurso apaixonado: "Eu tenho um
sonho que um dia o velho será considerado lindo e que poderemos viver em uma
nação em que as pessoas não serão julgadas pelas rugas da sua pele, e sim pela
beleza do seu caráter. Livres! Somos livres, enfim!"
Acordei de madrugada
repetindo alegremente a frase: "Somos livres, enfim!". E com vontade
de ir para Copacabana me manifestar gritando: "Eu também sou velha!"
e "Velho é lindo!"
Aí lembrei por que desisti
de anotar os meus sonhos e voltei a dormir

Mirian Goldenberg
é antropóloga e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro. É autora de "Coroas: corpo, envelhecimento, casamento e infidelidade" (Ed. Record). Escreve às terças, a cada 15 dias na versão impressa de "Equilíbrio".
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